terça-feira, dezembro 07, 2010

A Luminária

O meu vizinho faleceu.
Um senhor de 85 anos de idade. Que, conforme vim descobrir recentemente, foi um dos maiores montadores de filmes do cinema brasileiro. Trabalhou com Mazzaropi, montou todos os filmes de Hector Babenco, montou "Carandiru". Li na nota do Estadão.
Sempre simpático, me cumprimentava sorrindo, principalmente se eu estava em companhia da minha cachorra.
Morava sozinho e desde ontem, percebi uma movimentação barulhenta no apartamento dele (que dá de costas para o meu, separado pelo pátio interno do prédio). Era um jeito de arrumação e limpeza até altas horas da noite.
Hoje, voltando do trabalho, me deparei com dezenas de sacos de lixo que ocupavam a calçada do meu prédio e uma parte da rua. Havia malas caixas antigas, cartões postais, latas de chá. Ao lado, um catador de lixo, ou carroceiro meio grogue, abria os sacos e separava pela calçada meticulosamente os objetos que o interessavam. Logo percebi, pela idade e aparência dos objetos, que se tratavam dos pertences pessoais do meu vizinho.
A cena me chocou um pouco, então. Toda uma vida, toda sua intimidade, jogada fora, espalhada assim, escancarada na calçada. Quem são essas pessoas no apartamento? Novos inquilinos? A família?
Logo bati o olho numa luminária de ferro, cor de latão. Lindo design, década de 30 ou 40, provavelmente. Estava separada na seleção do catador. Perguntei:
- Você não me daria aquela luminária?
- Dar?
- Sim
- Você não teria um troquinho para me dar? Isso é uma relíquia!
Dei R$ 5  a ele e vim para casa com a luminária. Coloquei no braço do sofá, ao lado do telefone e acendi. Sim, estava funcionando. Está agora.
Fiquei com uma sensação estranha, de estar salvando alguma coisa. Tenho tido essas coisas, desde que comecei de fato a pensar que estou me especializando profissionalmente em preservar, conservar, proteger a memória e a história. Ruskin...

Senhor Mauro, fique tranquilo, sua luminária está bem guardada. Ninguém fará mal a ela daqui para frente.